O jornalista brasileiro Fernando Kallás é correspondente da BBC Brasil em Madrid e colunista do jornal esportivo espanhol AS. Morando há mais de cinco anos na capital espanhola, ele criou uma forte simpatia pelo Atlético de Madrid e hoje se considera um colchonero apaixonado.
Estou explicando isso pois me lembrei de um texto de Kallás, de maio de 2011, em que ele justificava sua paixão, lamentava a situação de seu Atleti e sonhava com dias melhores para o clube.
À época, ele se mostrava frustrado tanto com a saída de Sergio Agüero quanto com a má administração do presidente Enrique Cerezo Torres. Era o fiel retrato de um torcedor lamentando a perda de um ídolo e a falta de perspectivas de seu time.
Ler o desabafo de Kallás é entender o quão rápida e fenomenal foi a transformação do Atlético de Madrid em uma das maiores potência europeias de lá pra cá. Primeiramente leia o texto e depois vamos para algumas ponderações:
"Sou botafoguense, mas depois de mais de 6 anos de idas e vindas a Espanha, dois deles vivendo aqui em Madri, criei enorme carinho pelo Atlético de Madrid.Além da torcida fiel e apaixonada e do clima família no estádio, coisa rara na Europa, outro motivo que me levou a criar tanto afeto pelo Atlético foi a chegada de um garoto argentino de 18 anos chamado Sérgio 'Kun' Agüero!
'Chegamos' praticamente juntos ao Vicente Calderón. Quando eu era 'apresentado' ao 'Atleti' ele foi comprado do Independiente de Avellaneda.
Na época meu sogro sempre me levava aos jogos do Real Madrid e tentava me converter em Merengue, mas alguma coisa não encaixava, não me sentia identificado, não me sentia em casa no Santiago Bernabéu! Era pompa demais, títulos demais, pose demais, alegria demais. Não tinha nada a ver com minha personalidade sofredora e apaixonada de botafoguense!
Daí quando quando fui apresentado àquele clube proletário do sul da capital, com um uniforme listrado e torcedores fanáticos, encontrei meu lugar!
E dentro de campo tinha Kun Agüero, aquele moleque de 18 anos que lembrava Romário pelas características físicas, arrancadas e faro de gol!
Hoje posso dizer com orgulho que vi na arquibancada sua estreia e, infelizmente, seu último jogo pelo Atlético de Madrid.
Hoje os jornais espanhóis estampam a notícia de que ele pediu formalmente para ser vendido por motivos "esportivos", ou seja, quer jogar num time com estrelas que estejam a sua altura.
Bate uma enorme tristeza, mas não o culpo por querer partir! Assim como, depois de ver da arquibancada o último jogo de Fernando Torres como colchonero, não o culpei por querer voar mais alto.
O Atlético caiu numa mediocridade inaceitável nas mãos de dirigentes incompetentes e corruptos, que nada sabem de planejamento e futebol! Um jogador como Kun Agüero, que tem potencial para ser o melhor atacante do mundo (se já não o é), não pode estar fora da Champions League. Um jogador como ele não pode ter Diego Costa (Diego QUEM?!) de companheiro de ataque. Ele merece jogar ao lado de craques como ele!
Me dá muita pena ver o Atlético brigando por postos intermediários da tabela, quando deveria estar na cabeça, como sempre esteve, lutando de igual para igual com Real Madrid e Barcelona. Mas é um reflexo da incompetência e descaso da atual diretoria.
O título da Copa da UEFA no ano passado nada teve a ver com a diretoria. Foi uma daquelas obras do acaso, onde o Espírito Santo encontra Ogum e Maomé numa encruzilhada e todas as energias do cosmo são direcionadas a um lugar aleatório e fazem com que tudo dê certo inexplicavelmente.
O "planejamento" do clube para a temporada com um medíocre Abel de treinador levou o time à zona de rebaixamento. Quando Quique (referindo-se ao técnico Quique Flores) chegou às pressas, no meio do campeonato, o time montado por essa direção patética estava aos cacos e, graças ao poder motivacional do treinador, os jogadores reagiram e conquistaram num momento de catarse uma improvável e inacreditável Copa da UEFA.
E agora, um ano depois, o que a diretoria faz? Demite o treinador responsável pela conquista, vende um dos melhores atacantes do mundo e está prestes a vender um dos melhores e mais promissores goleiros da Europa (referindo-se a David De Gea, hoje no Manchester United).
É por essas e outras que torço de verdade para que Agüero tenha sorte e caia num time que o mereça! Num time que tenha força e cacife para disputar o título da Champions League. E por ser fã dele vivendo em na capital espanhola, me arrisco a dizer que gostaria que ele ficasse por aqui e formasse o melhor ataque do mundo ao lado de Cristiano Ronaldo.
E eu aqui do meu canto sonho, ingênuo que sou, que a diretoria gaste direito o dinheiro da venda trazendo outra jovem promessa como ele, que possa dar tantas alegrias aos torcedores colchoneros como o Kun nos trouxe nos últimos 5 anos!
Obrigado por tudo, Kun! Toda a sorte do mundo!"
*POR FERNANDO KALLÁS (O TEXTO FOI PUBLICADO NO DIA 24/05/2011 NO BLOG DO LEONARDO BERTOZZI, NO PORTAL DA ESPN BRASIL)
Na época em que foi escrito, o texto poderia soar extremamente trágico para os torcedores colchoneros. Mas lido nos dias de hoje, soa amplamente cômico.
Conforme negritei, Fernando Kallás queixava-se da mediocridade do Atlético, desdenhava de Diego Costa, tratava o título da Copa da UEFA 2009/10 como uma obra do acaso e previa dias difíceis. Nem no mais perfeito dos sonhos ele cogitava a hipótese de algum tipo de sucesso a curto prazo, embora desejasse muito.
Mal sabia ele que a ferida pela perda de Sergio Agüero seria rapidamente curada com a chegada de Diego Simeone.
O treinador argentino desembarcou no Vicente Calderón em dezembro de 2011, dois dias após a vexatória eliminação do Atlético para o Albacete, da terceira divisão espanhola, na Copa do Rei. E sete meses depois do desabafo de Kallás.
Mal sabia ele que a ferida pela perda de Sergio Agüero seria rapidamente curada com a chegada de Diego Simeone.
O treinador argentino desembarcou no Vicente Calderón em dezembro de 2011, dois dias após a vexatória eliminação do Atlético para o Albacete, da terceira divisão espanhola, na Copa do Rei. E sete meses depois do desabafo de Kallás.
A partir daí, Cholo Simeone tirou o Atlético do calvário e o levou para a prateleira mais alta do futebol europeu. Entre 2012 e 2014, foram cinco títulos e um vice-campeonato da Champions League. Tudo isso com muita astúcia e tendo em mãos um elenco curto, sem grandes estrelas.
"Cholo" Simeone é aquele técnico que mexe com os brios e faz os jogadores suarem sangue por ele.
Não são necessárias mais provas de que ele é genial tanto no aspecto motivacional quanto no tático. Não só transformou Miranda e Diego Godín em uma das maiores duplas defensivas do planeta como fez Diego Costa vingar e virar ídolo, queimando a língua até dos próprios torcedores.
A maior prova de que a magia do time de Simeone não foi obra do acaso é que ela persiste até hoje. Grande carrasco do Barcelona na temporada passada, o Atlético inverteu as coisas e fez seu arquirrival Real Madrid virar freguês. Depois da final da Champions, já se vão 6 clássicos sem que os merengues saiam vitorioso. No último, goleada rojiblanca por 4 x 0.
Dentro do atual esquema do treinador, os recém-chegados Antoine Griezmann, Mario Mandzukic e Guilherme Siqueira vão fazendo valer cada centavo investido e se mostrando capazes de manter o Atlético no topo. Sem falar que Simeone parece estar conseguindo aos poucos fazer com que Fernando Torres recupere seu excelente futebol de outrora. As saudades de Diego Costa, Filipe Luís e Cortouis vão rapidamente virando pó, se é que já não viraram.
Dentro do atual esquema do treinador, os recém-chegados Antoine Griezmann, Mario Mandzukic e Guilherme Siqueira vão fazendo valer cada centavo investido e se mostrando capazes de manter o Atlético no topo. Sem falar que Simeone parece estar conseguindo aos poucos fazer com que Fernando Torres recupere seu excelente futebol de outrora. As saudades de Diego Costa, Filipe Luís e Cortouis vão rapidamente virando pó, se é que já não viraram.
Se antes o Atlético se via à sombra de Barça e Real, hoje consegue lutar de igual para igual com todos os gigantes da Europa. E como consegue!
No ano passado, Simeone agradeceu às mães de seus jogadores por elas terem lhes dado "huevos grandes". Mas hoje é Fernando Kallás e todos os demais apaixonados pelo Atlético de Madrid que devem agradecer a Dona Nilda Simeone pelo mesmo motivo.
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